segunda-feira, 16 de julho de 2007

Palavras de mestre

Trecho do texto escrito pelo mestre Carlos Alberto di Franco publicado no Diário Popular no domingo:
"É preciso, enfim, combater todas as manifestações do jornalismo declaratório e assumir, com clareza e didatismo (muitas de nossas matérias deixam o leitor aturdido e confuso), a agenda do cidadão. É preciso cobrir com qualidade as questões que influenciam o dia-a-dia do leitor. É importante fixar a atenção da cobertura não mais nos políticos e em suas estratégias de comunicação, mas nos problemas de que os cidadãos estão reclamando. O papel da imprensa é ouvir as pessoas, conhecer suas queixas, identificar suas carências reais e cobrar soluções dos políticos. Não se pode permitir que as assessorias de imprensa dos homens públicos definam o que deve ou não ser coberto. O centro do debate tem de ser o cidadão, não mais o político, tampouco a imprensa. Só assim prestaremos serviço. Só assim conseguiremos que os leitores, seduzidos pelo ímã dos novos meios, percebam que o jornal continua sendo útil, importante, um parceiro insubstituível na travessia do seu dia-a-dia."

É impressionante como alguns textos se encaixam como uma luva em determinadas situações. Tomara que aqueles que publicaram o texto o compreendam.
Abaixo, o texto na íntegra.

Conquistar leitores

A mídia, afirma o jornalista francês François-Henri de Verieu, tornou-se “o fermento de toda a ação”. De fato, outrora havia as relações face a face: eleitos-eleitores, governantes-governados. Atualmente, elas deram lugar a situações triangulares: governo-mídia-opinião pública. Por isso, os meios de comunicação, particularmente os eletrônicos , fascinam e aprisionam as figuras públicas. Muitos sociólogos da comunicação tentaram mostrar o caráter parcialmente ilusório e mítico da suposta força irreprimível da “tela mágica”. Mas, mito ou não, as lideranças políticas acreditam nela. A isso se somam as pesquisas de opinião, que influem excessivamente no comportamento e na ação dos homens públicos, no que vão fazer ou dizer.
Os caciques da política nacional, dominados pela obsessão de um bom desempenho na mídia, só pensam no efeito imediato de suas declarações, no gesto que traz dividendos, no slogan que produz impacto eleitoreiro. Preocupam-se pouco, muito pouco, com o conteúdo e com os resultados efetivos que decorrerão de determinadas estratégias. A prioridade ao instantâneo, a opção pelo show mediático, relega a segundo plano da reflexão a perspectiva de médio e longo prazo. Ao encantamento da imagem se acrescentam outras tendências que compõem o perfil médio do político brasileiro: a transferência de responsabilidades, o descompromisso com a verdade e o descaso com a coerência.Vêm à tona essas considerações a propósito da qualidade técnica e ética da cobertura da política brasileira.
Uma cobertura de qualidade é, antes de mais nada, um problema de foco. O desinteresse crescente do leitor pelas páginas de política está, estou certo, em relação direta com o excesso de aspas, a falta de apuração, a crise da reportagem e a substituição de matéria jornalística por transcrição rotineira de fitas. De uns tempos para cá, o leitor passou a receber dossiês que, freqüentemente, não se sustentam em pé. Duram o que dura uma chuva de verão. Como chegam, vão embora. Curiosamente, quem os publica não se sente obrigado a dar nenhuma satisfação ao cliente. Dossiê deveria ser ponto de partida. Entre nós, virou matéria para publicação. Entramos na era do jornalismo sem jornalistas, nos tempos da reportagem sem repórteres. Ficamos, todos (ou quase todos), fechados no nosso autismo, emparedados no ambiente rarefeito das redações. Enquanto esperamos o próximo dossiê, tratamos de reproduzir declarações entre aspas, de repercutir frases vazias de políticos experientes na arte de instrumentalizar a imprensa.
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Entramos na era do jornalismo sem jornalistas, nos tempos da reportagem sem repórteres.
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Com ingenuidade própria de um foca, repórteres e editores não se dão conta dos riscos de manipulação que ameaçam a cobertura de política. Por isso, é preciso e urgente revalorizar as clássicas perguntas que devem ser feitas a qualquer jornalista que cumpre uma pauta investigativa: checou? Tem provas? A quem interessa essa informação? Trata-se de elementar cuidado no combate às tentativas de utilização da imprensa. Dossiês, mesmo quando carregados de indícios relevantes, são apenas pistas para uma adequada investigação. Não são, obviamente, matéria para edição. Nada, nada mesmo, substitui o dever da apuração.
É preciso, enfim, combater todas as manifestações do jornalismo declaratório e assumir, com clareza e didatismo (muitas de nossas matérias deixam o leitor aturdido e confuso), a agenda do cidadão. É preciso cobrir com qualidade as questões que influenciam o dia-a-dia do leitor. É importante fixar a atenção da cobertura não mais nos políticos e em suas estratégias de comunicação, mas nos problemas de que os cidadãos estão reclamando. O papel da imprensa é ouvir as pessoas, conhecer suas queixas, identificar suas carências reais e cobrar soluções dos políticos. Não se pode permitir que as assessorias de imprensa dos homens públicos definam o que deve ou não ser coberto. O centro do debate tem de ser o cidadão, não mais o político, tampouco a imprensa. Só assim prestaremos serviço. Só assim conseguiremos que os leitores, seduzidos pelo ímã dos novos meios, percebam que o jornal continua sendo útil, importante, um parceiro insubstituível na travessia do seu dia-a-dia.

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