segunda-feira, 14 de maio de 2007

Câmara de Pelotas quer a volta da censura

Editorial do Diário Popular de hoje defende a instalação de regra que limita a vereadores - salvo casos especialíssimos - o uso da palavra numa tribuna da Casa do Povo. A justificativa é de que um suplente de vereador - no caso, o polêmico Samarone - ao utilizar um espaço cedido por um vereador - e, por condescendência (veja a sutileza do termo, como se a Cãmra fizesse um favor ao cidadão em deixá-lo falar) do presidente da sessão, desviou-se do tema que teria dito que abordaria, iludiu a boa-fé do presidente e dirigiu ataques a tudo e a todos "até o prefeito". Na prática, o presidente da Casa, Otávio Soares, e seus pares na Câmara (naturalmente com o apoio do Executivo) querem que só se fale de flores naquela Casa. Assuntos polêmicos estão proibidos. Pior: os assuntos passarão por um crivo a fim de serem liberados ou não. Já vimos este filme... A diferença é que agora, em plena vigência do estado democrático, não é possível aceitar essa mordaça.
Ora, caso a tal Resolução passe, vai se configurar em censura. Samarone pode ter extrapolado em sua fala - e, para isso, os ofendidos têm todo o direito de procurar seus direitos na Justiça - mas daí a proibir que cidadãos falem numa tribuna que pertence ao povo a fim de evitar constrangimentos à Administração, à Câmara e "ao prefeito" é um retrocesso democrático. Além do mais, não é com censura que se consegue preservar a dignidade do poder, caro editorialista. É com atos, muito mais que palavras, que o poder terá e manterá sua dignidade. Se não há o que dever, não há o que temer, não é mesmo?

Truque
Como controlar o cérebro dos cidadãos ainda está um pouco difícil, o truque imaginado pelos vereadores é eliminar o cidadão das discussões. Sem povo, sem discussão. Como já escrevi acima, já vimos este filme. Desta vez, como da outra, a imprensa apoiou o cabresto com uma argumentação risível e rasteira, diria até de encomenda. Veja abaixo a íntegra do editorial:

A Câmara Municipal de Pelotas foi palco, semana passada, de um fato inusitado, que não pode repetir-se: um suplente de vereador, usando a tribuna em tempo cedido por um vereador, e por condescendência do presidente da sessão, em lugar de abordar o assunto anunciado, desmandou-se em ataques ao seu partido, o PP, à Administração Municipal, à própria Câmara e até ao prefeito. Em outras palavras, iludiu a boa-fé da direção dos trabalhos e ofendeu a dignidade da instituição. Incidentes acontecem e são inevitáveis nas casas legislativas, não só de Pelotas como em qualquer outra cidade e país, mesmo no austero recinto do parlamento britânico. Mas, convenhamos, devem ser coibidos com rigor. É o que procura fazer a Câmara local, como diria o vulgo, “antes tarde do que nunca”.Imediatamente após aquela intempestiva intervenção, e ante a reação natural dos vereadores, a Mesa Diretora passou a tratar de uma Resolução para restringir o uso da tribuna àqueles que a ela têm direito. Em regra, essa prerrogativa é exclusiva dos membros do Poder Legislativo, constituindo exceções os casos especiais de convidados, convocados ou de lideranças com representação social, como em sessões solenes comemorativas ou recepções a altas autoridades. Mesmo em tais ocasiões, a palavra será concedida a oradores previamente designados pela presidência.O Regimento Interno da Câmara local prevê a realização de audiência pública para o debate de fato determinado de relevante interesse público. É mais uma oportunidade de acesso de terceiros, não vereadores, à tribuna, sempre, porém, sob a coordenação da presidência dos trabalhos, com tempo determinado e o atendimento de outras normas. Em qualquer circunstância, porém, o orador irá conduzir-se com educação, com civilidade, obediente aos princípios da ética e do respeito aos demais participantes e ao recinto que o acolhe.A tribuna do Poder Legislativo é espaço nobre, qual o púlpito das catedrais da democracia, e não pode ser conspurcado, não pode servir de canal para lançar-se diatribes, ofensas e injúrias contra quem quer que seja, muito menos às autoridades constituídas, seja por ato de membros do poder, seja de terceiros. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) examina projeto de Resolução, com vistas a estabelecer regras claras para limitar o acesso à tribuna, em plenário, exclusivamente aos vereadores, salvo os casos especiais antes enunciados. E tudo indica que a matéria será logo encaminhada ao plenário para imediata aprovação.O presidente da Câmara, justamente preocupado com os acontecimentos, está bem consciente dos riscos a que em tais circunstâncias se expõe a ordem da atividade legislativa, que, ressalte-se, lhe incumbe prioritariamente manter, tanto para o maior rendimento dos trabalhos, quanto para preservar a dignidade do Poder.

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