quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Palavras do mestre

Publicado no Diário Popular. Os grifos são nossos. A conclusão é sua.

Reagir é preciso
Armação da imprensa. Distorção da mídia. Patrulhamento de jornalista. Quantas vezes, caro leitor, você registrou essas reações nas páginas dos jornais? Inúmeras, estou certo. Elas estão contidas, freqüentemente, em declarações de políticos apanhados com a boca na botija, no constrangimento de homens públicos obsessivamente preocupados com a própria imagem e no destempero dos autoritários do mais variado colorido. Todos, independentemente da contundência de suas impressões digitais, negam tudo. Procuram, invariavelmente, um bode expiatório para justificar seus delitos. A culpa é da imprensa! A acusação, carregada de cinismo, é uma manifestação explícita de desprezo pela verdade. Vejamos dois episódios recentes. Ambos emblemáticos.
Um dia depois de enfrentar o constrangimento de ouvir em plenário o apelo de pelo menos 14 senadores para que se afastasse da presidência do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) decidiu atacar a imprensa, acusando setores da mídia de quererem derrubá-lo:
“O que está acontecendo é uma covardia. Setores da mídia tentaram derrubar o presidente da República” (referia-se Calheiros aos escândalos que, recorrentemente, bateram às portas do Palácio do Planalto), “não conseguiram, perderam no primeiro turno e no segundo turno e agora querem fazer com o presidente do Senado uma espécie de terceiro turno”. E, num assombroso exercício de cinismo, completou: “Eu não sei do que me acusam. O Brasil não sabe o que me acusa. Essa crise é uma crise artificial. O que há contra mim? Qual é a acusação que me fazem?”
Que fez a imprensa para provocar tamanha “indignação”? Cumpriu o seu dever. Fez o que qualquer repórter iniciante está obrigado a fazer. Checou as supostas provas apresentadas em defesa do presidente do Senado. E elas simplesmente não paravam em pé.
Que fazer? Mentir? Sonegar a informação? Cumprimos, todos, o nosso dever: informar. E nada mais. Os meios de comunicação existem para incomodar. Felizmente. Um jornalismo cor-de-rosa é socialmente irrelevante. A imprensa, gostem ou não os políticos, tem o dever de desempenhar importante papel na recuperação da ética na vida pública.
E o ex-senador Roriz? Reproduzo algumas pérolas contidas em sua carta de renúncia ao mandato: “Somente me pesa na consciência o mal que venho sofrendo, que tanto me tortura e procura turvar uma vida pautada na dignidade pessoal, no respeito ao semelhante, no resguardo da coisa pública, no profundo sentimento cristão.” Após o preâmbulo de uma declaração digna de um carmelita descalço, o ex-senador aponta o culpado por seu percalço: “O furor da imprensa, o açodamento de alguns, as conclusões maliciosamente colocadas lamentavelmente ecoaram mais alto.” A imprensa, mais uma vez, é apresentada como a grande vilã. A reação do ex-senador não merece duas linhas de comentário. Sua renúncia é, de fato, o reconhecimento cabal de sua culpabilidade.
A sociedade assiste, atônita, às conseqüências do pragmatismo aético que se instalou nas entranhas do poder. A governabilidade, palavra tão usada pelo presidente da República, se transformou no outro nome da indecência. Loteia-se a Nação em nome da tal governabilidade. Incompetência e ladroagem caminham de mãos dadas.
Resumo da ópera: não vamos bem. A sociedade está refém de uma miragem provocada pelos bons ventos da economia mundial e pelo furor marqueteiro do Governo. O povo está anestesiado pela força de ações populistas e não consegue ver a agressão que se oculta em cada ato de corrupção. O drama da saúde pública, as filas intermináveis e a injustiça, brutal e endêmica, são resultado da pornográfica corrupção que se oculta sob a névoa de um crescimento de fachada. Mas, como acontece com os dependentes químicos, a depressão é a conseqüência inevitável da euforia artificial. Não se constrói um país sobre um pântano. É impossível.
Ou recuperamos os valores éticos, indispensáveis para o autêntico crescimento sustentado, ou assistiremos indefesos ao suicídio da cidadania. Reagir é preciso!

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética da Comunicação e representante da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra no Brasil, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia Ltda. E-mail: difranco@ceu.org.br

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