sexta-feira, 20 de abril de 2007

Entrevista

A pedido do jornalista Daniel Hammes, do Núcleo Popular de Jornalismo da RádioCom104.5fm, respondi às seguintes perguntas:
- Onde foram as atuações profissionais?
- Como veio a ser editor-chefe do DP?
- Quanto tempo esteve como editor-chefe do DP. Qual período?
- Houve dificuldade de se adaptar à realidade cultural pelotense, visto que vens de centros maiores e atuava em jornais com estrutura bem maior?
- Qual foi a impressão que ficaste da imprensa local, mesmo tendo ficado pouco tempo em contato direto com Pelotas?
- Quais foram as motivações para sua saída do DP? Houve ingerência da Prefeitura no caso? Houve motivação política pelo fato de o DP vir num tom crítico em relação a qualidade na água de Pelotas? Vale lembrar que o Prefeito é acionista do veículo e informações críticas à Prefeitura, Câmara de Vereadores, MP.... foram publicadas no seu blog na sexta-feira que antecedeu sua demissão...
- Neste pouco tempo em Pelotas, como viste a cena política local?- O DP tem lado na cena política, especialmente local? O que já foi dito explicitamente lá dentro?

Veja as respostas:
Prezado Daniel,

Comecei minha vida profissional em 1982, no Diário do Grande ABC, localizado em Santo André, São Paulo. Lá permaneci até outubro de 2003 e exerci todos os cargos na Redação e em todas as editorias. Fui repórter, colunista, editor, editor-executivo, editor-chefe e diretor de Redação por três anos. Minha saída foi motivada pela mudança de controle acionário da empresa. Em novembro de 2003 fui chamado para exercer o cargo de editor-chefe do Diário da Região, de São José do Rio Preto, interior de São Paulo. Fiquei lá até novembro de 2006. Depois de um trabalho muito intenso em Sâo José do Rio Preto, queria novos desafios e me coloquei no mercado. Em novembro pedi demissão para me juntar ao Diário Popular numa proposta de renovação e mudanças. Uma das acionistas do Diário Popular, Virgínia Fetter, me convidou a fazer parte da equipe. Permaneci até 31 de março de 2007.
Certamente existe uma diferença cultural entre Pelotas e as cidades em que vivi. No entanto, essas diferenças podem ser encaradas mais como virtudes do que problemas. O conhecimento de novas realidades e culturas sempre agrega um pouco de saber e é isso que move a nós, jornalistas. A cidade é fantástica e tem no turismo seu potencial maior. No entanto, essa área não e muito explorada pelos pelotenses. Percebi ainda que a questão da cidadania, um tema que prezo acima de qualquer coisa, é muito pouco conhecida em Pelotas. O cidadão pelotense espera sempre a migalha do Poder Público e desconhece o seu direito. Me pareceu que direito é confundido com favor e isso fortalece a construção de uma cidadania caolha e a manutenção de um esquema de poder que se mantém à custa dessas migalhas. É papel do jornal viabilizar um projeto de cidadania baseado em direitos e deveres no momento em que desmascara esse poder e o coloca nu em frente aos cidadãos. Para isso, precisa ser independente e ter compromisso apenas com o cidadão.

A imprensa local é o Diário da Manhã e o Diário Popular. São dois veículos com muita tradição, mas que estão atrelados - cada um à sua maneira - ao poder. O Diário da Manhã é um republicador de releases oficiais, e o Diário Popular - embora eu tentasse evitar isso a todo custo durante minha gestão à frente da Redação, opta pelo mesmo caminho fácil (a Prefeitura envia releases suficientes para fechar um jornal - até mesmo sobre a "visita" do prefeito a uma secretaria - tudo isso pago com dinheiro público). Não existe questionamento das autoridades e o poder transita com tranqüilidade e decisão por toda a imprensa. Veja o caso, por exemplo, das trapalhadas da UFPel (dinheiro repassado à Fundação Simon Bolívar, confusão nos vestibulares e outras confusões mais) que mereceriam uma série de reportagens para investigar a fundo o que acontece lá. Está no blog: recebi uma denúncia séria no meu último dia no Diário Popular a respeito da UFPel. O Ministério Público também recebeu. Ninguém investigou. Quando se aprofunda um pouco no assunto - e o Diário Popular tentou - uma dúzia de "autoridades" da universidade e da Fundação comparece ao jornal para reclamar. Veja o caso da Santa Casa, onde ficou comprovado o "pagamento" para agilização de exames do SUS. O Diário Popular tentou, mas foi barrado por "autoridades" do hospital. Viu o caso da mordomia inventada pelo vereador Otávio Soares de dar um laptop a cada vereador? Só se foi em outros jornais. No Diário Popular não saiu nada. E a questão da água contaminada por manganês deu no que deu. Aliás, a água continua suja? Certamente o prefeito não bebeu dela. E existem inúmeros outros assuntos que poderiam exemplificar essas ingerências na condução desses e outros assuntos, desde os mais comezinhos aos mais importantes. Portanto, posso dizer que a imprensa pelotense não é crítica - e certamente não terá tão cedo essa preocupação.

Portanto, minha saída do Diário Popular tem a ver com tudo isso e teve, naturalmente, a mão e os pés - não exclusivamente - do prefeito Fetter Jr., que se sentia incomodado com o que o jornal publicava. Sempre soube que seria difícil ser crítico em relação ao poder constituído - mesmo porque o prefeito Fetter Jr. é acionista do jornal - mas daí a ser um órgão oficial da Prefeitura fica impossível. Nós, jornalistas, assumimos responsabilidades no momento que publicamos alguma informação a quem confia e paga por ela. Não posso dizer que algo é branco quando na verdade é preto.

A cena política pelotense é um convescote. Fala-se muito, mas o Poder Legislativo, por exemplo, não é capaz de cumprir sua função básica, que é fiscalizar o Executivo. Veja: o Executivo aprova tudo - naturalmente por conta de sua ampla base parlamentar - mas não existe sequer um questionamento - exceto, às vezes, pela oposição que logo se aquieta. Basta acompanhar as sessões para ver o que acontece. É um festival de elogios e delicadezas entre si, além de uma atuação voltada sempre ao clientelismo - que a população adora (é a questão da confusão entre o direito e o favor). O Executivo não tem uma ação coordenada em relação aos problemas básicos da cidade - aqueles que incomodam a vida prática do cidadão, como buracos de rua, falta d´água e coisas do gênero -, e toma as providências ao calor das reclamações - menos, é claro, a questão dos cachorros nas ruas. Além disso, o Executivo está em plena campanha eleitoral - haja vista a montanha de dinheiro que se anuncia diariamente em investimentos para a cidade (basta ver os jornais), mas que até agora não apareceu, somente nas "previsões" do prefeito. A visão personalista e imediatista prepondera sobre a visão cidadã de gestão da cidade. O secretariado - em caráter interino, como o prefeito gosta de frisar (a representatividade desse gesto não carece de explicações) - é a prova maior de como é administrada Pelotas. O Ministério Público não percebe o que acontece na cidade e as entidades representativas pouco ou nada fazem para mudar o rumo das coisas. É claro que essas críticas só foram publicadas de forma subliminar. Ou seja: é difícil fazer jornalismo em Pelotas. Antes, é preciso que a imprensa deixe claro de que lado está, seja ele qual for, mas de maneira transparente e inequívoca.

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