segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

César Borges no país das maravilhas

Prezado leitor: veja bem o rol de maravilhas que é a UFPel. No meio delas, preste atenção: o magnífico César Borges não faz qualquer menção ao shopping que a Fundação Simon Bolívar pretende construir no ex-frigorífico Anglo e muito menos ao curso de veterinária para o MST. O silêncio pode ser explicado, entre outros motivos, pelo fato de que as perguntas não foram feitas.

Cidade: Empurrão da academia no Sul
O Ministério de Educação liberou para a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) R$ 128 milhões para investimentos até 2011. A projeção do reitor César Borges é passar dos oito mil alunos para 25 mil e de 59 para 98 cursos. Existe ainda a implantação da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), com a lei sancionada dia 11 de janeiro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em dez cidades da Metade Sul. O fato de ter uma Universidade Federal do Pampa distribuída em várias cidades, mais as federais de Pelotas, Santa Maria e a Furg deixa a região como uma das principais no Brasil dentro do plano do governo federal de interiorização da educação superior. Nesta entrevista, César Borges ressalta a importância do papel das universidades no desenvolvimento tecnológico e recuperação econômica da região. “Acho que a educação não será a causa do desenvolvimento da Metade Sul, mas dará uma ajuda, um empurrão, importante.”
Diário Popular - Como vai ser a transição dos campi controlados pela UFPel para a Unipampa?César Borges - Seria interessante dizer que a Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a partir do decreto presidencial que sanciona a lei de criação da Universidade Federal do Pampa, completa mais uma atividade extremamente importante na região que foi a criação propriamente dita desta instituição. Na realidade tudo isso começou em 27 de julho de 2005, quando o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em Bagé, anunciou a criação de duas extensões da UFPel, dois novos Campi, em Jaguarão e Bagé. Naquela oportunidade havia uma expectativa em várias cidades da Metade Sul pela federalização da Universidade da Região da Campanha (Urcamp), quando na realidade isso não poderia acontecer por se tratar de uma instituição mantida pela Fundação Áttila Taborda, personalidade jurídica de direito privado que não poderia sofrer um processo de federalização pura e simplesmente. Então fomos procurados pelo gabinete do ministro Tarso Genro para criar uma extensão da UFPel em Bagé e Jaguarão, que não era suficiente para atender todos os alunos que pretendiam deixar de pagar mensalidades nas instituições privadas. Poucos dias depois, surgiu a idéia no Ministério da Educação da criação de uma nova universidade descentralizada, pública, federal, em 10 cidades da Metade Sul. É a primeira universidade descentralizada, pública, federal do País. Foi em 2005, nos dois primeiros dias de agosto.
DP - Como foi o início do processo de criação da extensão?
Borges - Existia o interesse de 10 cidades da Metade Sul em criar a universidade: Alegrete, Bagé, Caçapava do Sul, Dom Pedrito, Itaqui, Jaguarão, Santana do Livramento, São Borja, São Gabriel e Uruguaiana. Mas o MEC ainda não sabia como proceder. Eu comentei ao então secretário executivo do MEC, Jairo Jorge da Silva, que a Metade Sul é muito extensa, é muito difícil sair de Pelotas e ir até Alegrete ou Uruguaiana. No mínimo se perde um dia de viagem. Portanto, seria impossível criar uma universidade na região em um único local. Então surgiu a idéia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) também participar do processo. Após uma reunião com o então reitor da UFSM, Paulo Sarkis, fizemos o seguinte acordo: a metade do lado da Zona Sul ficaria com a UFPel e outra com Santa Maria. Bagé ficaria com a reitoria. Tudo transcorreu muito bem e já fizemos três vestibulares e 2,5 mil alunos estudam só na área controlada pela UFPel. O que até agora estava sob a nossa responsabilidade, são 17 cursos (10 Bagé, 2 Jaguarão, 2 Livramento, um em Caçapava e um em Dom Pedrito).
DP - O que vai funcionar em Bagé?
Borges - Bagé ficou com a maior parte na área de computação e algumas engenharias. A idéia é diversificar um pouco a economia da região que é muito mais ligada à agricultura e puxar para áreas de tecnologia; Zootecnia foi para Dom Pedrito; Livramento ficou com a parte relacionada com a fronteira, Administração e Comércio Exterior. Agora, desligamento oficial da UFPel da Unipampa não é tão real assim. O MEC determinou que ficará sob minha responsabilidade como reitor a aquisição de todos os equipamentos das faculdades ligadas à UFPel ao longo de 2008. Todas essas obras serão concluídas sob a nossa tutela. Além dos equipamentos e administração de todos os recursos - R$ 15 milhões ficará com a UFPel até o final de 2008, quando ficará pronto o prédio de Bagé. Não gostaria de ficar com essa burocracia, mas o MEC preferiu fazer a transição com a UFPel para evitar a perda de continuidade das obras, por já estarmos administrando todos os recursos. O que é complicado para mim, eu preferia só administrar a UFPel, mas vou continuar administrando a parte básica de recursos da Unicamp. De qualquer maneira, é certo que eu vou inaugurar, como reitor da UFPel, uma outra universidade, os prédios e edificações.
DP - Vai ocorrer o mesmo com as faculdades controladas pela Universidade de Santa Maria?Borges - Não sei se vai ocorrer o mesmo com Santa Maria, acho que não. O grupo de Santa Maria ainda não recebeu esses recursos, então, uma vez criada uma nova universidade, os recursos daquela etapa devem ir para a outra instituição.
DP - O projeto de ampliação da UFPel, Furg e 10 campi da Unipampa é forte. Tem estudante para tudo isso na Metade Sul?
Borges - Não sou futurólogo, mas eu imagino muitas coisas: Primeiro que o papel que a nossa universidade tem tido na área de integração regional é fundamental. Há 15 anos nós trabalhamos com a agência da Lagoa Mirim, atribuição que nos foi dada por meio de decreto presidencial de integração regional com o Uruguai. Nós temos uma experiência grande de integração regional com o Uruguai. E um dos objetivos do Governo Federal, sobretudo do Itamaraty, é intensificar as ações na América Latina. Inclusive, estamos preparando para fevereiro uma reunião com pró-reitores de extensão de todas as cidades fronteiriças ou universidades federais que desenvolvem trabalhos em áreas fronteiriças desde o Oiapoque ao Chuí. Calculamos, pelo menos, representantes de 10 universidades federais no encontro em Pelotas. Além disso, o fato de ter uma Universidade Federal do Pampa distribuída em várias cidades, mais a Federal de Pelotas, Santa Maria e a Furg. O Estado tem seis universidades federais. Portanto, na Federal de Pelotas temos que formar pessoas que vão trabalhar necessariamente no futuro pólo naval de Rio Grande, nas atividades da Petrobras no porto. Além disso, temos que pensar na diversificação da economia rural, no pólo madeireiro. Nesse sentido, criamos há três anos o primeiro curso de engenharia industrial madeireira, o único no Estado. Mas o que mais nos preocupa é o problema de infra-estrutura do Brasil. Não temos um quadro de técnicos que saibam matemática, física e engenharia. Precisamos de gente que trabalhe em área de pesquisa de ponta nessas áreas, sobretudo matemática e física. Existe uma dificuldade muito grande porque ninguém quer estudar mais matemática e física porque não é atraente.
DP - O problema do ensino brasileiro não envolve também o segundo grau?
Borges - Temos um problema sério de segundo grau, que está muito desqualificado. Não por culpa dos professores, mas o País nunca investiu no Ensino Médio. Hoje a associação dos reitores, dos Dirigentes do Ensino Superior busca alternativas para melhorar o segundo grau. Os alunos chegam na universidade muito despreparados em termos de física, química e matemática. São áreas muito fracas. Se pretendermos ter, no futuro, engenheiros, técnicos para trabalhar em todas essas áreas na Metade Sul, temos que, necessariamente, investir nesse pessoal no segundo grau. Isso vai ser um desafio muito grande que vamos ter de pensar como trabalhar. O que eu acredito é que nós devemos atrair pessoas de outros estados ou países para a Metade Sul. Mostrar que estamos criando um grande pólo educacional. Depois de Minas (11) o nosso Estado é o que mais tem universidades federais (6). Então nós temos um número razoável, mas precisamos direcionar, sob tudo, UFPel e Unipampa, a trabalhar juntas. A necessidade de uma integração é cada vez maior. Temos que trabalhar no sentido de formar gente muito qualificada, chamar a atenção de outros lugares para cá. Ter uma infra-estrutura que ainda não dispomos para os alunos que vierem fazer vestibular na região. Falta ainda uma boa hotelaria, restaurantes, acomodações para estudantes, professores. Vem gente muito qualificada trabalhar aqui, mas que não tem acomodações adequadas. A construção civil, certamente, terá um impulso maior nessa região. Acho que a educação não será a causa do desenvolvimento da Metade Sul, mas dará uma ajuda, um empurrão, importante. Só o fato de ter iniciado as construções dos prédios da Unipampa tem gerado um aumento no PIB dessas cidades.
DP - Como a UFPel vai influir na região com seu projeto de expansão que envolve R$ 128 milhões nos próximos cinco anos?
Borges - Eu tenho a convicção que, no momento que a nossa universidade expandir já a partir de julho de 2008, vamos influir no desenvolvimento local da cidade. Já estamos com R$ 13 milhões em caixa para iniciar o processo de reforma em alguns prédios já adquiridos, como a construção na área do ex-frigorífico Anglo no campus do Porto, que já está em andamento. Provavelmente a inauguração da reitoria, naquela área, e dos cursos novos ocorrerá em julho de 2008. Esse tipo de ação que, aparentemente é muito simples, vai fazer com que aquela região da cidade tenha um desenvolvimento que estancou há mais de 50 anos. Será necessário estimular a população a criar serviços de hotelaria, restaurantes; a construção civil vai investir um pouco mais naquela região com prédios para estudantes. Também vamos construir com apoio da Caixa Econômica Federal uma nova Casa do Estudante. A atual é muito precária, nunca foi uma edificação para essa finalidade.
DP - Não seria conveniente uma campanha para mostrar o pólo educacional na Metade Sul?Borges - O próximo passo nosso deverá ser em termos de marketing e divulgação. As pessoas não sabem, fora daqui, o que está acontecendo. Eu acho que isso vai incluir a região no processo que já está acontecendo de reestruturação da universidade pública brasileira. O País não está acostumado a, por exemplo, um estudante de Porto Alegre cursar em Pelotas algumas disciplinas ou semestres, ou até mesmo em outros estados. É excepcional receber um estudante de outro lugar e muito melhor se pensarmos em termos de intercâmbio. Estou falando em graduação, porque em pós-graduação é comum. Há dois anos comecei a buscar a experiência na universidade do Porto, em Portugal, e da Salamanca, na Espanha. Eles têm lá uma mobilidade estudantil que devemos implantar aqui, levando em consideração as peculiaridades.
DP - Como seria essa mobilidade estudantil na graduação?
Borges - A minha expectativa é que se consiga, no final desse ano ou 2009, começar uma mobilidade maior. Agora nós temos 10 estudantes em Portugal, através de um acordo entre os reitores daquelas universidades e nós. As cadeiras que serão feitas lá terão validade no currículo aqui. Foi feito um acordo prévio, porque não é uma coisa ampla ainda, vai depender da área. Agora queremos ampliar e fazer com a fronteira, utilizando os estudantes de Pelotas, Unipampa em Jaguarão e também a Universidade da República, em Montevidéu. É um tipo de intercâmbio com uma única diferença: os créditos que eles fazem aqui são válidos no Uruguai e vice-versa. Não haverá nenhum prejuízo em termos de graduação. O Mercosul tem uma proposta de mobilidade estudantil já aprovada para a pós-graduação, mas graduação não tem. Nossa idéia é fazer esse projeto piloto, que já tem autorização do MEC e está incluído dentro das propostas internacionais do Itamaraty. Então eu acredito que não há risco de um estudante que vai se formar no Uruguai, fazer um semestre ou algumas disciplinas no Brasil, Argentina ou Europa. Vai ter bolsa para isso. Hoje, o dinheiro da bolsa vem através de um programa internacional que a UFPel participa com financiamento do Banco Santander, que paga tudo para esses estudantes. Nós não temos gasto algum. Este ano já está previsto e liberado pelo MEC, recursos para a UFPel iniciar o programa Mobilidade Estudantil.
DP - Existe a expectativa da criação nos próximos anos de 25 mil vagas na UFPel, enquanto hoje são oito mil. Haverá alunos para tantas vagas com a ampliação também da Unipampa?
Borges - Tem mais um fator que precisa ser levado em consideração: hoje o número de universidades privadas na região é muito grande. Antigamente não era muito. Além disso, existe a educação a distância. Hoje é muito mais fácil qualquer pessoa ter um diploma de nível superior desde que entre ou na universidade em seus cursos regulares ou pela educação a distância. Acredito que haverá demanda porque o Ensino Médio está formando mais gente. O grande e grave problema é a qualificação do aluno no Ensino Médio. Acho que agora as nossas universidades vão ter que trabalhar nos primeiros anos para mudar os seus currículos. Um período de qualificação para os alunos que estão entrando na graduação. Eles chegam despreparados.
DP - A pesquisa acadêmica está interagindo com as empresas na região?
Borges - Na verdade, existe muita pesquisa em várias áreas. Mas eu pergunto: por que não chega ao final da linha? Temos um exemplo bem prático na área agrária: a Embrapa é altamente qualificada, mas tem uma dificuldade muito grande de fazer com que o resultado da pesquisa chegue ao produtor mais pobre, aquele que deveria fazer um desenvolvimento melhor da sua área de plantação. Nós temos essa dificuldade. Agora existe um Plano de Ação de Ciência, Tecnologia e Inovação, que foi assinado pelo presidente da República e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Todas as federais estão trabalhando com foco no desenvolvimento científico. O problema ocorre pela dificuldade do aluno que entra na universidade despreparado, como também pelo fato da pesquisa e o desenvolvimento não terem ainda uma produção. Até tem alguma, mas não tão grande e com crescimento numa velocidade necessária. Por isso o País continua emergente. Apesar da existência de focos de grande desenvolvimento científico, ainda não conseguimos dar um salto.
DP - A maioria dos nossos produtos de exportação é de commodities, não tem valor agregado? Borges - Não sei exatamente qual é a solução, mas eu tenho uma percepção que isso é verdade. A iniciativa privada e as universidades ainda não estão unidas como deveriam estar, como ocorre nos Estados Unidos, Europa e Japão. Essa aproximação ainda é muito difícil. Em uma cidade pequena, por exemplo, até é possível colocar juntas academia e iniciativa privada, mas somente em situações que têm dado pouco efeito: em festividades. Dificilmente se consegue reunir ambos para fazer um trabalho mais construtivo.
DP - Como isso poderia ser revertido?
Borges - Nós temos feito parcerias com algumas empresas. A Votorantim, por exemplo, faz uma série de trabalhos com pesquisadores nossos. A UFPel até criou o curso de Engenharia Industrial Madeireira baseada no que naquele momento ainda era apenas uma hipótese da Votorantim se instalar na região. Tanto a Votorantim como a Stora Enso precisariam de gente qualificada. Nesse sentido que surgiu a idéia do curso, mas isso ainda é pouco. O pessoal da iniciativa privada tem de pensar que daqui um pouco o porto de Rio Grande pode precisar de alguém para fazer um determinado tipo de equipamento, como um simples parafuso, assim como o pólo naval, a Petrobras. Já uma microempresa não pode trabalhar numa tecnologia mais moderna. Só se for com o apoio do pessoal da universidade. Biodiesel é outro exemplo que estamos trabalhando. Mas o defeito da universidade é que o pesquisador trabalha encerrado dentro dos seus laboratórios e não tem tempo nem de expor o que faz. Precisamos trabalhar na melhor divulgação da universidade externa e internamente, além de atrair as empresas.
DP - Que obras a UFPel prevê para realizar este ano?
Borges - Estamos em processo da última licitação para recuperação do campus do Porto, na área do ex-frigorífico Anglo. A partir de julho ali passará a funcionar a reitoria, quando também serão inauguradas as salas para os primeiros cursos. Provavelmente Letras, Administração, Economia e Turismo. Ainda este ano, deverá ser inaugurada ali a biblioteca de Letras e Ciências Humanas. Também adquirimos um quarteirão, no quadrilátero formado pelas ruas Benjamin Constant, Almirante Barroso, Alberto Rosa e Tamandaré, para a construção do campus dos cursos de Engenharia, este ano será criado mais um: Engenharia Geológica. E outras quatro engenharias nos próximos anos. A obra será iniciada este ano e concluída em 2009. No campus do Capão do Leão será construída uma biblioteca de Ciências Agrárias. O curso de veterinária será transferido para o prédio da atual reitoria, junto da Engenharia Agrícola.
DP - Tudo que foi citado já tem verba garantida. Existe algum projeto de destaque que serão buscados novos recursos em 2008?
Borges - Sim. Vou buscar junto aos ministérios da Educação, Saúde e Defesa para fazer o projeto do Hospital Universitário que nós não temos. Somos uma das únicas universidades do País que não têm hospital próprio. Nesses 40 anos, formamos cerca de 3,5 mil médicos em hospitais alugados, o que gera um gasto enorme para os cofres públicos e uma perda em termos de produção científica. Não podemos receber verbas do Ministério da Ciência e Tecnologia por não termos área própria. Mas uma primeira conquista nesse sentido já foi obtida. Mais tardar em março, inauguraremos o pronto atendimento em frente à Rodoviária. Ele está perfeitamente equipado, só falta as últimas instalações elétricas. Ao lado dele é que deverá ser construído o nosso hospital. O projeto para um prédio de 400 leitos está orçado em R$ 30 milhões.

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